O passado sempre presente

Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje On line
publicada em 21/02/2014

A maioria de nós gosta de registrar momentos especiais. Fotografamos e filmamos lugares, pessoas, eventos etc., com o objetivo de guardar não só lembranças do que nos aconteceu, mas também, de algum modo, de parte do que aconteceu. São registros de ocasiões alegres, engraçadas, de belos lugares, de monumentos históricos etc. Hoje, com os dispositivos móveis e o fácil acesso à internet, as pessoas podem compartilhar seus registros pessoais quase a todo instante.
Há alguns anos isso não era possível. Antes do surgimento das câmeras digitais, a fotografia era feita em equipamentos que requeriam filmes especiais, que eram revelados em laboratório e depois impressos em papel. Levava tempo, portanto, para termos o resultado dos registros.
O mesmo acontecia com as câmeras de filmagem. Para vermos o filme, as películas tinham que ser reveladas. Com o advento das fitas magnéticas (as famosas fitas VHS), o registro ficou mais fácil. Mas a quantidade de informações que podiam ser gravadas era muito limitada.
A fotografia registra um determinado instante, uma fração de segundo da realidade. Os objetos refletem (ou emitem) luz, que é captada pelos sensores eletrônicos da câmera, como CMOS e CCD. Esses sensores, feitos de materiais semicondutores, convertem a luz em padrões de cargas elétricas, que posteriormente são transformados em dados digitais. Percebemos, quando tiramos fotos com baixa resolução, que os arquivos gerados têm poucos megabytes. Já fotos com alta resolução podem ter tamanhos da ordem de dezenas de gigabytes.

A luz

Quando vemos com os nossos olhos ou captamos uma imagem, registramos a luz refletida (ou emitida, em alguns casos) pelo objeto que enxergamos ou registramos. Como a luz tem uma velocidade muito grande (300 mil km/s), o tempo que ela gasta para vir de um objeto que está, por exemplo, a 3 m de distância é de cerca de 0,00000001 segundo (10 nanossegundos) – um atraso absolutamente desprezível. Para o nosso cotidiano, é instantâneo.
Da mesma maneira, quando ouvimos ou gravamos um som, também há um lapso entre a sua emissão e a nossa detecção. Contudo, a velocidade do som (340 m/s) é muito menor que a da luz. A 3 m de distância, o som demora cerca de um milésimo de segundo para chegar aos nossos ouvidos. Por isso, é comum vermos um relâmpago e apenas alguns segundos depois ouvirmos o barulho do trovão.
Por outro lado, quando observamos a Lua, vemos como ela era um segundo antes aproximadamente, já que a distância Terra-Lua é de 380 mil km. Já a luz do Sol leva cerca de oito minutos para alcançar a Terra, ao passo que a das estrelas mais próximas do nosso planeta leva cerca de alguns anos para atingi-lo. A galáxia de Andrômeda, o objeto mais distante que observamos a olho nu, está a aproximadamente 2,5 milhões de anos-luz da Terra. A luz dessa galáxia que chega até nós partiu de lá muito antes do surgimento dos seres humanos na Terra, há 2,5 milhões de anos!

A galáxia de Andromeda que está a 2,5 milhões de anos-luz - O objeto mais distante que pode-se observar a olho nu

Com o auxílio de potentes telescópios, podemos observar galáxias e estrelas que estão a mais de 13 bilhões de anos-luz, as primeiras que se formaram logo após o evento chamado Big Bang, que deu origem ao universo. Estamos sempre percebendo o passado, vendo o que aconteceu, seja há alguns nanossegundos ou há milhões de anos. Dessa forma, o que de fato são o presente, o passado e o futuro?

O trem de Einstein

De acordo com a teoria da relatividade de Einstein, a velocidade da luz é invariável, independente de quem a observa, e nada no universo pode viajar mais rápido que ela. Por exemplo, se, por algum motivo, o Sol desaparecesse, a órbita da Terra só seria perturbada oito minutos mais tarde, pois a força da gravidade, responsável pelo movimento dos planetas ao redor do Sol, também se propaga na velocidade da luz.
Outro resultado importante que decorre da teoria da relatividade é que eventos que, para alguns observadores, podem ser simultâneos, para outros não são. Isso ocorre porque, quando há dois observadores em movimento entre si e a velocidade da luz é a mesma para ambos, eles veem coisas diferentes. Exemplo famoso disso é o chamado ‘trem de Einstein’.
Einstein propôs o seguinte experimento mental: se dois indivíduos observam dado evento – um deles está dentro de um trem, exatamente no meio dele, e outro está fora do trem, no meio do trecho entre duas marcas no solo –, eles terão conclusões diferentes sobre o mesmo evento. Se o observador no solo disser que dois raios caíram simultaneamente, isso significa que dois relâmpagos o atingiram no mesmo instante. Por outro lado, o observador dentro do trem observará os raios caírem em momentos diferentes.
O experimento imaginário de Einstein para explicar o conceito de
simultaneidade na Teoria da Relatividade Restrita

A explicação disso é que, para o observador que está dentro do trem, ao mesmo tempo em que se desloca para a direita, indo ao encontro do relâmpago da parte da frente do trem, ele se afasta do relâmpago que vem da extremidade traseira do trem. Portanto, o último relâmpago deve percorrer uma distância maior que o primeiro para chegar até o observador. Como a velocidade da luz é constante, o relâmpago da frente o atinge antes do de trás. Naturalmente, para se observar esse efeito, o trem deveria viajar na velocidade da luz.
Outra consequência desse experimento imaginário é que, para o observador que está no solo, o intervalo de tempo transcorrido entre a queda dos dois raios é zero, já que para ele os dois acontecimentos são simultâneos.
O fato de a velocidade da luz ser o limite do universo faz com que a noção de simultaneidade seja sempre relativa a um observador. Embora não observemos esses fenômenos no nosso cotidiano, ele é mensurado em experimentos de laboratório, principalmente nos aceleradores de partículas, que funcionam por levar em conta esse efeito. De fato, a natureza nos coloca numa condição em que vivemos simultaneamente no passado, no presente e no futuro.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos

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