A Copa e as viagens no tempo

Mais uma vez estamos vivenciando uma Copa do Mundo. Esta é uma época que a grande maioria das pessoas volta sua atenção para a seleção brasileira de futebol, na esperança de que ela novamente vá ser campeã. Afinal, nossa seleção é a mais vitoriosa de todos os tempos e os jogadores brasileiros são cobiçados pelos melhores times do planeta. Como dizia o grande dramaturgo Nelson Rodrigues, somos uma "pátria de chuteiras".
O mínimo que os brasileiros esperam em uma Copa é o título de campeão. Por isso, as derrotas e eliminações geram grandes decepções e tristezas. Após os fracassos, os comentaristas esportivos e muitos de nós procuramos razões para explicar a derrota. As duas maiores derrotas foram a perda dos títulos mundiais de 1950 (na Copa disputada no Brasil) e de 1998 (na França).

Neste último caso, perdemos para os donos da casa. Somente dois países anfitriões que chegaram à final de uma Copa não se sagraram campeões.
Foi o caso da Suécia, derrotada em 1958 pelo Brasil de Pelé, e da citada final de 1950, quando o Uruguai levou o caneco em pleno Maracanã, com quase 200 mil torcedores calados pelo gol de Ghiggia.
Até hoje, muitas pessoas gostariam de voltar no tempo e mudar esses resultados. Imaginem se fosse possível avisar o goleiro Barbosa, da seleção de 1950, que Ghiggia chutaria a bola justamente no canto esquerdo do gol?
Uma tentativa de reverter a derrota de 1950 é o mote do curta-metragem Barbosa, feito pelos cineastas Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado a partir do livro Anatomia de uma derrota, de Paulo Perdigão (1939-2006). No ano de 1988, um homem que era criança em 1950 e estava no Maracanã no jogo fatídico consegue uma máquina do tempo e volta ao dia 16 de julho de 1950.
A ideia do viajante do tempo era avisar o goleiro Barbosa sobre o gol de Ghiggia, que ocorreria aos 34 minutos do segundo tempo, dando a vitória de 2 a 1 para o Uruguai (um empate bastava ao Brasil para ser campeão). Paradoxalmente, quando ele tenta avisar Barbosa, o goleiro acaba se distraindo e a bola entra.

Assista abaixo ao curta-metragem Barbosa,
disponível em duas partes no YouTube:








Imaginemos que a volta no tempo proposta nesse filme pudesse de fato ocorrer. Nesse caso, seria possível modificar o resultado daquela fatídica partida?

Estranhas propriedades

Como seria possível voltar no tempo? Para isso acontecer, precisaríamos de uma máquina do tempo. Nosso dispositivo não seria como o imaginado pelo britânico H. G. Wells (1866-1946) no livro A máquina do tempo ou pelos diretores do filme Barbosa, mas um artefato que se valesse das estranhas propriedades da gravidade em condições extremas.

A gravidade é explicada pela teoria da relatividade geral proposta pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955). Nesse modelo, a gravidade surge devido à curvatura do espaço e do tempo provocada pela presença da massa.
Uma analogia ajuda a compreender melhor esse conceito. Imagine que o espaço fosse como uma lona esticada, apoiada pelas pontas. Ela permanecerá esticada e plana se nada for colocada sobre ela. Contudo, se colocarmos um objeto massivo em cima dela, ele afundará e curvará a lona.
Se agora lançarmos uma esfera com uma determinada velocidade e direção, ela descreverá sobre a lona uma trajetória quase circular ao redor da depressão provocada pelo objeto, de maneira similar à translação de um planeta em torno de uma estrela. Depois de algum tempo, a esfera perde velocidade, devido ao atrito com a lona, e cai em direção ao centro.
No caso dos planetas, como eles viajam no espaço vazio, não há atrito e, portanto, não há perda de velocidade. Na verdade, a relatividade geral prevê que os movimentos orbitais percam energia por meio de ondas gravitacionais  – essa perda já foi observada em objetos muito massivos como estrelas de nêutrons.

Buracos de minhoca

Um dos resultados previstos pela relatividade geral a é criação de ‘buracos de minhoca’ (wormhole, em inglês), termo criado pelo físico americano John Wheeler (1911-2008) para designar um ’atalho’ através do espaço e do tempo. Um buraco de minhoca possui ao pelo menos duas ’bocas‘ conectadas a uma única ’garganta’ ou tubo, que hipoteticamente permitiria que matéria atravessasse esse tubo e viajasse de uma boca para outra.
O nome dado a essas estruturas vem da analogia com um verme que está na casca de uma fruta, que pode pegar um atalho para o lado oposto da fruta por um caminho através do miolo, em vez de mover-se pela superfície. Da mesma forma, um viajante que atravessasse um buraco de minhoca pegaria um atalho para o lado oposto do universo por um túnel.

Além de viabilizar esse atalho, essa exótica estrutura poderia ser utilizada também para construir uma máquina do tempo. Um buraco de minhoca de grande porte pode existir no espaço profundo, como uma relíquia do Big-Bang.
Imaginemos que ele seja um buraco de minhoca estável (muitas teorias preveem que, se existirem, eles serão instáveis) e que seja transportado de forma que uma de suas aberturas esteja junto à superfície de uma estrela de nêutrons – um corpo de altíssima densidade, com campo gravitacional muito forte.
Nesse caso, a gravidade intensa gerada pela estrela de nêutrons faria com que o tempo passasse mais devagar (pois a curvatura do espaço leva a uma passagem do tempo mais lenta). Como na outra extremidade o tempo passaria mais rapidamente, os dois extremos do buraco de minhoca ficariam separados não só no espaço, mas também no tempo.

Restrições da viagem no tempo

A possibilidade teórica no âmbito da relatividade geral de construir uma máquina do tempo tem uma peculiaridade: a viagem no tempo somente ocorre para além do instante em que foi criado o buraco de minhoca. Em outras palavras, não é possível voltar para um instante anterior à criação desse exótico objeto.

Por outro lado, algumas abordagens de teorias quânticas da gravidade preveem que, se fosse possível voltar no tempo, ao retornarmos criaríamos uma nova realidade.
Trocando em miúdos: teríamos então um novo universo, parecido como nosso, mas alterado pela nossa visita ao passado. Como imaginado no filme Barbosa, a volta no tempo pode ser a causa do nosso presente.
De qualquer maneira, voltar no tempo, por mais fascinante que possa parecer, é apenas uma possibilidade teórica, que ainda está longe de resolver nossos problemas ou aplacar nossas maiores paixões, como no exemplo do futebol.
Portanto, desejemos sorte para a nossa atual seleção de futebol, pois é importante fazer no presente o que queremos para o nosso futuro.

Comentários

  1. Pois é, Adilson... Eu receio que a Lei das Probabilidades torne impossível fazer com que Barbosa defenda o chute do Ghiggia.

    Algo que já aconteceu tem 100% de probabilidade. Eu fico matutando se a probabilidade de modificar o já acontecido é nula, negativa ou imaginária.

    ResponderExcluir
  2. Olá João,
    Pois é esse é a grande dúvida sobre esse tema de viagens no tempo, pois os paradoxos sempre surgem. Eu não acredito muito na questão de criar um universo paralelo, que embora seja possível no nível quântico, não acredito no nível macroscópico.
    Um abraço
    Adilson

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Todos os comentários são bem vindos desde que sejam pertinentes aos posts

Postagens mais visitadas