A busca pela glória olímpica

Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
15/08/2008

Nos últimos dias, os Jogos Olímpicos de Pequim têm atraído a atenção de todos. Sem dúvida, esse é um evento único, no qual os melhores atletas de diversas modalidades esportivas estão reunidos para disputar medalhas e bater as marcas existentes. Os esportes cativam, pois o ser humano é competitivo e se sente estimulado a mostrar a sua capacidade de se superar.

As provas de atletismo e de natação, por exemplo, mostram como a capacidade humana de superar desafios é imensa. A superação ocorre na escala dos centésimos de segundo, tempo muito pequeno para que nossos olhos percebam. O tempo de reação típico de um ser humano comum é da ordem de 1 ou 2 décimos de segundo. Como tem sido visto em Pequim, a diferença entre os tempos das provas de natação entre os competidores é muitas vezes da ordem de 0,01 segundo, dez vezes menor.

Quando um novo recorde é estabelecido, sempre surge a questão: por quanto tempo ele durará? Qual é o limite do homem?

O estabelecimento de um novo recorde acontece quando um atleta possui condições físicas, psicológicas e genéticas que favoreçam a obtenção de uma nova marca. A cidade e as instalações esportivas onde a prova é disputada são fatores determinantes, pois o desempenho do atleta depende das condições climáticas (temperatura, velocidade e direção do vento, umidade do ar etc.) e geográficas (altitude) em que é realizada a prova. O uso de materiais esportivos especiais também está fazendo diferença, como é o caso do maiô utilizado pelos nadadores em Pequim. Cada pequeno detalhe é relevante.

Cada modalidade esportiva tem uma determinada técnica desenvolvida ao longo dos anos para se conseguir melhores resultados. Atualmente, o grau de sofisticação de alguns esportes é enorme e conhecimentos científicos de diversos ramos – como física, biologia, química, fisiologia e outras disciplinas – são usados para melhorar as marcas dos atletas.

A física do atletismo

Vejamos o exemplo da prova de salto em distância. Um atleta necessita não apenas ter força física e boa velocidade, mas também precisa saltar de maneira a maximizar o alcance do pulo. Com um pouco de física elementar, é fácil mostrar que o ângulo com que ele deve arremessar o seu corpo para alcançar a maior distância em um salto deve ser de 45º em relação ao solo. Além disso, os atletas movimentam seu corpo de forma que seu centro de massa se desloque, fazendo com que ganhem um impulso extra com esse movimento.

Nas provas de corrida, como nos 100 metros rasos, os atletas percorrem essa distância em um intervalo menor do que 10 segundos, com uma velocidade média de aproximadamente 36 km/h. Cada passada combinada com o movimento dos braços é fundamental para se correr mais rápido. O arremessar do braço ajuda no movimento, pois, nessa situação, a força que se faz com o braço aumenta a quantidade de movimento do atleta, melhorando assim sua velocidade.

Alguns esportistas também usam roupas especiais para melhorar as condições aerodinâmicas (como os carros de corrida são projetados para diminuir o efeito do atrito do ar), além de calçados com melhor aderência ao solo (como os pneus de automóveis, determinantes para conseguir melhor desempenho em provas automobilísticas).

Já esportes como o judô e outras formas de luta usam princípios da física o tempo todo. Nesse caso, é necessário conseguir derrubar o outro atleta e a utilização movimentos de alavanca, que aumentam a “força”, facilita o deslocamento do adversário. Quanto maior for o “braço de alavanca”, maior o peso que ele pode deslocar. Na modalidade de salto com vara, é esse mesmo princípio que torna um atleta de cerca de 80 kg capaz de ultrapassar uma altura maior que 6 metros.

Chutes de efeito

Outras modalidades esportivas como futebol, basquete e vôlei também dependem muito desses conceitos físicos. Em uma partida de futebol, por exemplo, quando um jogador habilidoso – como o goleiro Rogério Ceni, do São Paulo FC, ou o meia-atacante Ronaldinho Gaúcho, do AC Milan – bate uma falta, algumas vezes a bola descreve trajetórias bastante complicadas, enganando o goleiro.

Isso ocorre porque a bola sai girando quando o jogador a chuta com a parte de fora do pé. Esse movimento provoca uma diferença de pressão ao redor da bola, fazendo com que ela realize uma trajetória curva. Esse efeito é conhecido como o efeito Magnus, descrito pela primeira vez em 1852 pelo físico e químico alemão Henrich Gustav Magnus (1802-1870), para explicar os efeitos de rotação na trajetória de um objeto.

A trajetória é influenciada por fatores como o tipo de bola usada, a pressão atmosférica local (pois partidas de futebol são disputadas no nível do mar e em altitudes na ordem de 4 mil metros), a temperatura e velocidade do vento, entre outros fatores. Não podemos esquecer também que a concentração, a habilidade e o preparo psicológico do atleta são fundamentais.

Conhecimento intuitivo
É interessante salientar que, na grande maioria das vezes, todos os detalhes citados acima não passam pela cabeça do atleta quando ele realiza uma jogada ou durante uma prova. Devido aos treinos feitos em exaustão, ele acaba incorporando esses detalhes sem pensar muito neles.

Embora os atletas de alto desempenho realizem mecanicamente os movimentos para vencer as competições, em algumas delas a criatividade e a intuição, combinadas com habilidade e precisão, levam a resultados surpreendentes. Em um instante, o atleta muda a forma de agir ou faz um movimento ainda não pensado e nos surpreende com o resultado. O gol de “meia-bicicleta” da jogadora Cristiane no jogo de futebol feminino do Brasil contra a Nigéria nos Jogos de Pequim é um pequeno exemplo disso.

Nós, espectadores admirados pelas façanhas dos atletas, podemos ficar atentos a essas minúcias (é claro que a maioria das pessoas não está preocupada com elas, apenas alguns “chatos”) e tentar entender o que passa pela cabeça do esportista no instante genial. A superação de um recorde ocorre quando tudo isso funciona com perfeição. Um pequeno deslize basta para que o sonho olímpico desapareça; mas um único instante também basta para que o atleta deixe de ser um simples “mortal” para se tornar eterno – como os deuses do Olimpo.

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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar

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