Admirável pequeno mundo

Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
19/01/2007


Nosso cotidiano está cercado de objetos e materiais obtidos das mais diversas formas. Com o passar do tempo descobriu-se como modificar os encontrados na natureza e produzir novos. Os materiais metálicos, cerâmicos, poliméricos, entre outros, facilitam muito a nossa vida. Imagine, por exemplo, como seria o mundo sem os plásticos (que são materiais poliméricos) ou o aço, utilizados em uma infinidade de aplicações.

A capacidade de produzir novos materiais remonta a tempos muito distantes. Na Idade do Bronze, há 5.300 anos, iniciou-se a produção dessa liga metálica, constituída de cobre e estanho. A partir da descoberta desse novo material, foi possível desenvolver ferramentas, armas, estátuas etc. Dois elementos de características distintas quando isolados adquirem novas propriedades quando são misturados. Na grande maioria dos materiais é isso que acontece. A mistura vai além das partes individuais.

Atualmente existe uma infinidade de ligas metálicas com as mais diversas aplicações. O aço, por exemplo, é uma liga de ferro que chega a ter mais de uma dezena de outros elementos, empregada nos mais diferentes ramos, principalmente por causa da sua resistência mecânica e da sua facilidade de ser fabricado. Outras ligas, baseadas em titânio, são utilizadas na fabricação de próteses para diversas partes do corpo, como por exemplo o joelho ou o fêmur.

Os polímeros formam outra classe interessante de materiais. Esses compostos orgânicos são formados a partir da ligação de várias unidades menores – pequenas estruturas moleculares à base de carbono chamadas de monômeros. Esse tipo de estrutura molecular confere grande maleabilidade a esses compostos e permite transformá-los facilmente por meio da utilização de calor e pressão.

Compostos onipresentes
Os polímeros têm aplicações ilimitadas e estão presentes em praticamente tudo que utilizamos, como recipientes e embalagens plásticas, painéis de automóveis, teclados de computadores etc. Como esses compostos têm pequena densidade (a razão entre a massa e o volume) comparada com a dos metais, eles permitem a obtenção de produtos leves.

Uma classe específica desses materiais tem propriedades inusitadas. Os chamados polímeros condutores são capazes de conduzir corrente elétrica, emitir luz e até apresentar propriedades magnéticas. Esse tipo de composto é empregado em muitos dos nossos aparelhos, como nas telas de alta resolução de câmeras e telefones celulares e até como desembaçador do espelho retrovisor de alguns automóveis.

As propriedades de qualquer material dependem da estrutura, ou seja, da forma como estão arranjados os átomos que o compõem. Vejamos o exemplo do carbono, presente em todas as células do nosso corpo e nos materiais poliméricos. Quando puro, ele assume diferentes características em função da sua disposição estrutural: ele pode se apresentar na forma de diamantes, duros e brilhantes, ou como a grafita, mole e escura, utilizada para fabricar a grafite do lápis.

Em um arranjo mais complexo, com 60 átomos de carbono, se obtém uma estrutura de carbono conhecida como buckyball , que apresenta propriedades absolutamente distintas das de outras formas de carbono. Em particular, essa estrutura permite produzir nanotubos que já são aplicados em diversas áreas, como na óptica e na eletrônica.

Um dos grandes desafios da ciência atual é compreender completamente os processos que atuam na combinação e no arranjo dos átomos para se obter novos fenômenos e materiais. Em particular, há um grande empenho na pesquisa e no desenvolvimento de materiais na escala de até 100 nanômetros (1 nanômetro é um bilionésimo de um metro). Esse é o terreno da nanociência e da nanotecnologia.

Realidade e ficção
Há 40 anos, a idéia de produzir um material átomo por átomo pareceria ficção científica. Em dezembro de 1959, um dos mais importantes físicos do século 20, o americano Richard Feynman (1918-1988), sugeriu que seria possível ter toda a informação contida na Encyclopaedia Britannica na cabeça de um alfinete com cerca de 1,5 milímetro de diâmetro. Dessa forma, se fosse possível reduzir 25 mil vezes o tamanho das páginas, poderíamos guardar todo esse conhecimento na área ocupada pela cabeça de um alfinete. Para tanto, seria necessário que cada caractere fosse escrito por 10 átomos. Embora essa seja uma escala muito pequena, ela ainda é factível de ser medida e, portanto, não há qualquer impedimento físico que exclua essa possibilidade.

A nanociência e a nanotecnologia são campos que ainda vão ser muito explorados, pois envolvem muitas áreas do conhecimento, como física, química, biologia etc. A manipulação de átomos permite tanto construir bilhões de dispositivos eletrônicos em um processador de computador quanto modificar a estrutura genética de uma célula. Talvez em um futuro não muito distante seja possível até construir máquinas nanométricas, compostas por apenas alguns átomos, que possam ser inseridas em nosso organismo para atacar vírus ou bactérias em nível molecular ou até para regenerar células danificadas. Previsões como essa, que soavam como ficção algum tempo atrás, talvez algum dia se realizem.

A cada dia, avança nossa compreensão sobre a produção de novos materiais. Da descoberta do bronze à invenção do chip de computador, passaram-se milhares de anos. Entretanto, os progressos nessa área são cada vez mais rápidos e os resultados mais imediatos. Esse pequeno e admirável mundo dos átomos ainda nos trará muitas surpresas. Talvez aí esteja um dos grandes atributos da humanidade: inventar o que ainda sequer foi imaginado.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar

Comentários

  1. Anônimo11:29 PM

    Caro Físico,

    Só uma pergunta: acha que a ficção científica tem grande impacto/importância na ciência? Eu acho que não, o que penso é que acontece o contrário: a ciência é que tem grande impacto na ficção científica.

    Gostaria de obter a sua opinião sobre este assunto.

    Atentamente,

    Mário Andrade – Estudante de Física

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  2. Caro Mário,
    A sua pergunta é interessante. Eu acho que a ficção pode sim estimular a pesquisa. Há um exemplo interessante, relacionado com o Livro Contato de Carl Sagan. Veja no Click Ciência (www.clickciencia.ufscar.br) que tem uma resenha falando disso.
    Outro exemplo, sem dúvida, está relacionado com as pesquisas em teletransporte quântico e sobre velocidade de dobra espacial (inspirados em Star Trek).
    É fato também que a ciência é mais influente na ficção do que o contrário.
    Um abraço
    Adilson

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  3. Anônimo10:25 PM

    Caro Professor Adilson,

    Esta minha dúvida surge no seguinte contexto:
    Quem defende a ficção científica, nutre paixão pela mesma, logo coloca o máximo de mérito e influencia que ela tem em outros campos, sem haver estudos sobe esse mesmo impacto; os cientistas, por sua vez, na maior parte dos casos nem pensam em negar tais afirmações, pois acham a temática em causa pouco importante, digo mesmo irrelevante, face a assuntos bem mais estimulantes que se lhes deparam no dia-a-dia. Assim sendo, vem só ao de cima o ponto de vista dos que gostam de ficção científica.

    Fazendo a pergunta de outra forma: acha que se não houvesse ficção científica, a ciência estaria menos evoluída… Se se obtiver resposta a esta pergunta, as ideias tornar-se-iam claras sobre esta temática.

    É o meu ponto de vista, em termos de realimentação, a ciência depende mais das necessidades de consumo da sociedade, bem como da ciência em si mesma, sendo a ficção científica mais insignificante do que se pensa, que em muitos casos deseduca e destorce a ciência. Acho que esta distorção ocorre da parte de um observador, não cientista, que olha para a ficção científica e que a liga, por analogia, directamente à ciência.

    Por favor, consulte o link.

    http://www.escriptors.com/pagina.php?id_text=318


    Atentamente,

    Mário Andrade – Estudante de Física

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  4. Anônimo10:48 PM

    Caro Adilson,

    Recomendo este blog

    http://www.ktreta.blogspot.com/

    João

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  5. Caro Mario,
    Demorei para responder pois estava de viagem...
    Eu não acho que a ciência seria menos evoluída se não houvesse a ficção científica. Dificilmente também não existiria a ficção, pois ela reflete algo que está imbutido no ser humano, que é a imaginação.
    Como toda forma de literatura, há exemplares de baixa qualidade que desistimulam qualquer pessoa. Porém há também trabalhos de qualidade que estimulam a prosseguir. Em meu caso particular querer me tornar cientista foi por causa da influência da ficção, como Star Trek.
    Existem alguns trabalhos de professores que utilizam a ficção científica para o ensino. De uma olhada nos anais do XVII SNEF (www.sbfisica.org.br).
    Um grande abraço
    Adilson

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  6. Anônimo8:26 PM

    Caro Adilson,

    o blog

    http://www.ktreta.blogspot.com/

    Não é meu...

    Mas sim um bom blog

    Um abraço

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